1ª Conferência Missionária: "A falta que um rosto faz...de eu para "eis-me!" - Dom António Couto


    De «eu» para «eis-me» foi o tema que D. António José da Rocha Couto, bispo da diocese de Lamego, desenvolveu, nesta primeira das cinco conferências agendadas para o mês de outubro, sob o título genérico de «A falta que um rosto faz».

O drama do mundo atual assenta no «senhor eu» inchado, autossuficiente e autorreferente, que reduz os outros a objetos. Um «eu» sem umbigo e, portanto, sem mãe; um «eu» sem fé e, portanto, sem Deus. A Sagrada Escritura critica ferozmente o tal «senhor eu», que pode fazer ninho dentro de cada um de nós, pelo que se trata de uma característica que atravessa os tempos. Um «eu» arvorado em dono de tudo, como único produtor de sentido. Na realidade, o problema passa a ser o «outro», nesta relação com o «senhor eu». Tal «outro» existe e não pode ser uma projeção do «eu»; terá de ser visto como alteridade e como tal deve ser acolhido e respeitado.

No encontro com o «outro», com a simples saudação – ou salvação – «boa noite» ou «bom dia», estou a estabelecer uma relação e a suscitar que haja uma estrada carregada de bondade que se abre diante de nós, pois se a volumetria de Deus é a bondade, a nossa volumetria também terá de passar pela bondade. O rosto que vemos e saudamos é um dizer demasiado simples e demasiado cheio: não negociamos nada, havendo na saudação uma densidade verdadeiramente extraordinária e gratuita. O meu «boa noite» ou «bom dia» apenas faz replicar o teu «boa noite» ou «bom dia». Trata-se apenas de responder. A missão é resposta; a resposta implica a existência de um rosto. «A falta que um rosto faz».

O «cuida de mim» é súplica que é um mandamento; trata-se de uma súplica colocada à nossa responsabilidade, não à nossa liberdade de decisão. A ação precede o cogito. Responder ao outro está antes da liberdade de decisão, pois a ética precede a ontologia; a ética não são os valores, mas sim os rostos (E. Levinas). Rosto nu do outro, que não é um alter ego tirano e prepotente, mas que é, simultaneamente, pobre e senhor (pobre, porque nu; senhor, porque pobre e nu). É esse rosto desfigurado, ensanguentado, lacrimejante e suplicante que faz com que eu passe do «eu» para o «nós».

Nunca deixemos de observar o rosto do outro, pois os rostos são autênticas lições de humanidade. Aquele rosto suplicante, lacrimejante, pleno de existência, leva-me a agir, a ter consciência de que a missão é «a Igreja a fazer-se» e a dizer, convictamente, «eis-me aqui, ao teu serviço».

 

Adelino Ascenso

Presidente dos IMAG

Poderá ver e ouvir integralmente a conferência de Dom António Couto: 

       Conferências Missionárias 1/5 - 01 Outubro 2020  
 

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